domingo, 15 de junho de 2014

No cinema (5)

Exceto em jogos do Brasil, os cinemas não param de funcionar durante a Copa. Mas ficam mais vazios, e as distribuidoras lançam filmes com menos marketing – mas não necessariamente menos qualidade. Há, por exemplo, uma quantidade de documentários em cartaz que é coisa rara de se ver.

A última Copa que acompanhei tinha o Naranjito como mascote, e acho que só acompanhei os desenhos animados do Naranjito mesmo. Então estou curtindo bastante esta temporada mais amena no cinema.

Acho que já tem filme bom o suficiente pra fazer uma quinta lista de filmes legais que vi no cinema (as anteriores eu publiquei no Facebook e compilei aqui):


Transmedia storytelling: stencil ao lado de um cinema que passa Riocorrente

* Riocorrente - Há uns meses, saquei uma coisa do ato de retratar no desenho ou na pintura: o retratista revela defeitos que o retratado sabe que tem (ou que acha que tem, pois só ele atribui como defeito), mas finge que ninguém mais pode ver. Pode ser uma pinta, uma papada, o formato do rosto. A fotografia, por sua natureza, digamos, realista, segue iludindo o retratado. Com a intermediação do filme, pode parecer que o tal defeito passou batido pelo fotógrafo (mas certamente não passou, lembre-se de que estamos falando apenas do delírio do retratado). Num desenho ou numa pintura, a mediação humana é evidente: alguém desenhou / pintou aquele defeito, portanto, viu.

Recuperei essa ideia porque Paulo Sacramento (O prisioneiro da grade de ferro) fez de Riocorrente um poderoso retrato de São Paulo. E é um retrato como um desenho, como uma pintura. Mesmo sendo filme. Sacramento escolhe mostrar o Tietê. E o cara pobre sufocado pela falta de alternativas. E o crack. E a arte escondida nos cemitérios. E o clima das manifestações. É um retrato que os moradores de São Paulo talvez não gostem de ver. Quem acha que a cidade é perfeita vai se incomodar. Como bem definiu meu amigo Marcos Carlini: é desconsertante.

* O lobo atrás da porta - Quando escrevi sobre Praia do futuro, falei dessa ideia de que eu cresci num país que ou só fazia "filme ruim" ou, mais tarde, simplesmente não fazia filmes. E disse que era muito incrível viver agora num país que tinha o Karim Aÿnouz. O que eu não sabia é que teria ainda Riocorrente e este O lobo atrás da porta em cartaz simultaneamente com Praia do Futuro. Que alegria imensa ver uma coisa dessas. Que momento!

O filme do Fernando Coimbra é, digamos, um thriller conjugal: a filhinha do casal é levada por uma estranha na saída da creche, e o mistério só será resolvido quando o delegado fuçar na relação deles. Digamos: de certa forma, é uma versão dark de Nelson Rodrigues.

* Que estranho chamar-se Federico - O grande Ettore Scola estava aposentado, mas interrompeu seu descanso para fazer uma homenagem a seu amigo Fellini. Há cenas com atores recontando a vida dos dois misturadas com desenhos e trechos de filmes. Acho que classificam como documentário, mas eu partiria pra uma nova definição: é uma memória. (Escrevi sobre pro Eh,Già!, mas ainda não saiu. Está aqui.)

Mr. May

* Uma vida comum - Não sei por que traduziram assim. Still life, o título original, quer dizer "natureza morta", e tem muito mais a ver com a história de Mr. May, um dedicado funcionário público londrino encarregado de cuidar da morte de pessoas que não têm ninguém. Até porque há umas naturezas mortas espalhadas ao longo de todo o longa. É um pequeno grande filme, de sair da sessão abalado. (Vou escrever sobre pro Eh,Già! também.)

Mengele e Wakolda
* O médico alemão - Vivendo escondido no sul da Argentina, o cientista nazista Mengele se encanta com uma argentininha chamada Wakolda, que tem problemas de crescimento. E começa a fazer experimentos com ela e com sua família. É uma espécie de Lolita com doses cavalares de demência.

* Amazônia eterna - Ainda não é o grande documentário sobre a Amazônia (que está pra ser lançado), e sim um documentário mais focado na economia sustentável da floresta, que parte da interessante ideia de que a melhor forma de preservá-la no mundo atual é fazendo com que ela renda dinheiro.

* Tim Lopes - Histórias de Arcanjo - Outro documentário. Mostra Bruno Quintella em busca do pai, o jornalista Tim Lopes. Acho que especialmente os jornalistas vão curtir.

* Junho - É o documentário da TV Folha. Eu até esperava menos: achei bem amarrado, sem se esquivar da covardia da própria Folha em condenar os protestos e abrir espaço pra PM trucidar há um ano. O maior problema do filme está fora dele: parece que nós é que esquecemos de junho do ano passado.

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